Editora de Literatura
Após se recuperar de uma doença respiratória que ameaçou sua vida, o escritor português de 86 anos, vencedor do Prêmio Nobel de Literatura em 1998, José Saramago, terminou seu novo livro "A Viagem do Elefante" e veio ao Brasil lançá-lo. Nesta sexta-feira (28) participou de sabatina promovida pelo jornal Folha de S.Paulo. O Enteatro acompanhou a entrevista em vídeo e relata algumas coisas do que disse o português.
Logo no início, Saramago salientou que "saiu da doença muito mais forte". "A lógica é que vocês esperassem encontrar no livro algum reflexo dessa situação [doença], não vão encontrar nada, nada. E foi natural, nem precisou ser forçado", comentou o escritor.O vencedor do Prêmio Nobel disse que não é fácil explicar como suas obras têm um público assegurado. "Talvez hoje em dia eu seja produto do marketing, ele entrou na minha vida sem eu querer. Quando eu voltei à literatura, em 1966, estava muito mais seguro de mim. Eu apareço como escritor com a idade que muitos já aparecem com sua obra feita, com 60 anos. O que tinha de acontecer, simplesmente aconteceu", afirmou.
Ao ser questionado por um repórter do caderno Ilustrada, o porquê de ter saído de Portugal e se mudado para a Espanha, o escritor explicou que foi por conta do governo que não autorizou a apresentação de seu livro. "Como é possível proibir um livro numa época supostamente democrática? Nós mudamos de casa, mantendo a casa em Lisboa, pagando impostos em Portugal. Posso dizer que eu mudei de bairro porque o vizinho me incomodava, e meu vizinho era o governo português. Creio que é um pouco precipitado ligar isso à literatura. Nunca tive problema com meu país, e sim com o governo. Os governos se parecem muito com os jornais, dificilmente pedem desculpas", alfinetou.
Quando questionado por um convidado da platéia se após a doença havia mudado sua concepção a respeito de Deus, Saramago foi enfático. "E por que eu teria que mudar? Quem me salvou a vida foram os médicos... Deus simplesmente não existe, existe na cabeça das pessoas. O cérebro que temos é de tal ordem que temos tudo dentro, inventamos Deus porque precisamos de Deus em certos momentos. Inventamos Paraíso, Purgatório, que está um pouco desqualificado. Inventamos o pecado, a Igreja quando o inventou, criou um instrumento de controle, não tanto das almas, mas dos corpos. A Bíblia só tem maus conceitos, assassínios, incestos, aquilo é um desastre", brincou o escritor.
Ensaio sobre a Cegueira
O livro de Saramago "Ensaio sobre a Cegueira", recém-adaptado para o cinema por Fernando Meirelles, também foi assunto da sabatina. Um dos jornalistas que participava da sabatina, perguntou ao escritor se ele havia se inspirado em obras como "1984", "Admirável mundo novo" ou "Fahrenheit", por tratarem de sociedades totalitárias, distopias, um futuro imaginário, assim como em "Ensaio sobre a Cegueira". Para responder, o escritor contou como surgiu a idéia do livro.
"Se eu contar como nasceu esse livro, vai ver que não tem nada a ver como a sugestão foi posta. Estávamos em Lisboa, num restaurante, estava sentado, pedindo o prato que eu queria, e, de repente, me passa na cabeça essa pergunta: "e se nós fôssemos todos cegos?", podia ter ficado assim, mas eu me dei imediatamente a resposta, "mas nós estamos todos cegos". A cegueira é uma cegueira histórica, porque uma espécie como a nossa, de gente com essa coisa que chamamos de inteligência, dotada de razão... as histórias da Humanidade são um desastre contínuo, nunca houve um momento que se parecesse com paz. Não é só isso, esta raiva, às vezes incontida, como é neste momento, talvez as pessoas não concordem comingo, nós não merecemos a vida, não se percebeu ainda que o instinto serve melhor aos animais do que a razão serve ao homem. Nós matamos por prazer, por gosto... vivemos na delinqüência, na violência, qual a razão que temos de chegar a isso? Somos todos cegos, cegos da razão, não usamos a razão para manter a vida e sim pra destruí-la, é contra isso que foi escrito o 'Ensaio sobre a Cegueira', pra dizer que estamos cegos. Somos muito mais complicados do que parecemos, às vezes", descreveu.
Questionado se tem esperança de que a Humanidade recupere a visão, Saramago foi incisivo: "Eu não tenho que ter esperança."
Literatura
"O leitor importa depois, não importa nada quando escreve. O livro está a ser escrito para o que o autor quer escrever, nada mais. Há dois tempos, o tempo em que o autor não tinha leitor e o quando passou a tê-los. Geralmente não penso nos leitores", afirmou Saramago.
E para encerrar, o escritor falou sobre literatura brasileira. "Quando perguntam por escritores brasileiros, sinto muito, tenho que falar dos velhinhos, vou até Raul Pompéia. Esses nomes que eram emblemáticos. Representavam a voz do Brasil, os brasileiros eram aquilo literariamente. Quem escreveu Budapeste [Chico Buarque], não pode escrever nada, nem uma linha abaixo. Budapeste é um grande livro realmente", finalizou o Prêmio Nobel.
José Saramago
Idade: 86 anos
Nascimento: Em Azinhaga, Província do Ribatejo, Portugal
Casado: Com a tradutora e jornalista espanhola Pilar del Río
Atividades: Antes de ser escritor, foi serralheiro, contador e produtor editorial, entre outras coisas
Principais prêmios: Camões, em 1995 e Nobel de Literatura, em 1998
Principais livros: "Memorial do Convento"(1982), "A Jangada de Pedra" (1986), "O Evangelho Segundo Jesus Cristo" (1991), "Ensaio sobre a Cegueira" (1995)
"A Viagem do Elefante" (2008)
Acesse o blog de Saramago: http://blog.josesaramago.org/
Confira a íntegra:
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